quarta-feira, 22 de abril de 2009

Só se expressam paixões pelo uso de sinais (respondendo a Ana Olívia)

Diante das instigantes colocações de Ana Olívia, desejo dizer o seguinte. O problema acerca da "apreensão cognitiva" da linguagem, sobretudo se tal apreensão estiver ligada à "constituição ontológica do mundo" não é um problema formulado por Rousseau. Como sua reflexão sobre a origem das línguas não toma a linguagem como um instrumento de conhecimento do mundo factual ou fenomenal (que seria o conhecimento de objetos ou de fatos), nem a linguagem o interessa pelo seu estatuto epistemológico, nem o que ela expressa tem valor e densidade ontológicos. A linguagem não é uma representação do mundo, mas uma expressão das paixões, dos sentimentos, das vontades e desejos, enfim, da afetividade e das decisões humanas. E enquanto expressão da afetividade, ela vem a ser o elo próprio da comunicação intersubjetiva das vivências, o veículo privilegiado da exteriorização da vontade. Assim como o segundo Wittgenstein, Rousseau não nega o caráter interno, privado dos sentimentos: o que ambos afirmam (e, neste caso, o francês, antes do austríaco), é que são necessários sinais externos para a expressão e comunicação das vivências internas. No caso de Rousseau, a música, os sons, as palavras, a melodia são modos de manifestação da linguagem que conseguem expressar o que vem de dentro. Por outro lado, não é porque o campo da música e da sensibilidade ou afetividade envolve o que poderíamos chamar de "anímico", que o tratamento da expressão linguística é "metafísico" ou "mentalista". O tratamento é retórico. E, enquanto tal - já que a retórica é interdisciplinar desde os gregos - ele é, por um lado, estético (envolve espaço, tempo, cor, som, luz em todos os tons e semi-tons) e, por outro lado, ético e político, pois a dimensão afetiva da racionalidade humana é fundamental para a construção da vida intersubjetiva e social para pensadores como Rousseau. Nada disso é metafísico ou circunscrito a uma dimensão meramente psicológica. Lembremos que Bento sugeriu a ligação da concepção retórica da linguagem em Rousseau ao conceito de gramática do segundo Wittgenstein. Isso me leva a uma última observação. Está correto dizer que Rousseau recusa as regras lógicas ou gramaticais, desde que se entenda por "regras" aquelas normas específicas da lógica clássica, tais como aparecem nos manuais de lógica formal (portanto, não no sentido wittgensteiniano ou habermasiano de regras da racionalidade normativa). Todo filósofo que defende uma concepção retórica da linguagem é crítico de uma concepção essencialmente lógica da linguagem, e nisso se inclui o próprio Aristóteles, que inventou a lógica formal e a retórica, como uma disciplina à parte dos seus escritos estritamente lógicos. Mesmo em Aristóteles, o mais lógico dos filósofos da retórica, o uso retórico da linguagem envolve o logos (discurso), o ethos (o caráter) e o pathos (as paixões). Para terminar, quero dizer à querida Ana, que o que eu chamei de "estética da linguagem" - algo que doravante me interessa pesquisar - é algo que passa pela "virada linguística" que podemos operar em cima da estética kantiana: em vez de "só" espaço e tempo, incluamos também cores, sons, gestos, enfim todo e qualquer sinal que tenha significado. Pode ser anímico, pode ser volitivo, mas "mentalista", não. Espero que Aroldo concorde (pelo menos em parte) com o que eu disse aqui de Rousseau, e agradeço muito à Ana pelas boas questões que me deram a oportunidade de expressão. Um abraço a todos! E vida longa para nosso blog! (Sílvia Faustino)

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